quinta-feira, 3 de setembro de 2020

O Louco, o Martelo e a Pregação

     O Louco, o Martelo e a Pregação


     Poucos dias atrás, eu estava caminhando em meio ao agitado balé das pessoas nas calçadas... meio desnorteadas, sempre indo ou vindo de algum lugar, apressadas, num eterno empurra empurra sem urbanidade, algumas parecendo sempre sem forças e sem esperança, corrompidas em seus sonhos e perdidas na solidão do imenso deserto de concreto e asfalto de uma quase autêntica cidade grande.

     E assim, num dia de folga eu seguia, tentava me distrair, olhava as lojas, passando pelas vitrines, parando diante de algumas para ver melhor algo que me chamava atenção, porém, logo se formava atrás de mim uma pequena fila de pessoas que se acotovelavam, tentando olhar exatamente o que eu estava olhando... (Que povo sem personalidade), então, me afastava dali revoltado com a inconveniência daqueles zumbis e seguia meu passeio pelas ruas tumultuadas da cidade, infelizmente era uma cidade que crescera sem muitas opções lazer.

     As horas iam passando, entrei em um boteco que se dizia lanchonete, pedí um suco de maracujá (muito aguado) e uma coxinha (imensa e sem recheio). Ali fiquei durante algum tempo tomava goles do tal refresco e fingia comer a coxinha repugnante enquanto tentava conversar um pouco com as pessoas do barzinho, acabei saindo desiludido depois de ouvir tantas besteiras daquelas pessoas sem nada a acrescentar. Segui meu caminho, era um dia cinzento, ameaçava chover e aquele povo só reclamando que se chovesse não poderia ir à praia de uma cidade vizinha... (“Fica em casa povo feio!”, irritado eu resmungava).

     Acho que havia escolhido um péssimo dia para caminhar pelas ruas da cidade (“Será que todos os dias são assim?” pensava), era esta uma cidade numa região serrana, tinha seu charme, sua natureza, seus encantos e seus poucos habitantes conscientes que lutavam para preservar a beleza e história do lugar (agora em ameaça constante)... desrespeitado e agredido a todo momento, pela maioria de pessoas sem intelecto, sem passado digno, sem presente digno e certamente sem um futuro decente, que invadiam e ocupavam espaços alheios, amontoavam-se de qualquer maneira e em qualquer lugar dizendo com suas bocas imundas: “Isto é o Progresso!”... ridículos e infelizes.

     Eu persistia em meu passeio... sou um escritor, tenho fama de viver entre livros e história, praticamente passo dias e dias em meu escritório criando, imaginando, pesquisando e escrevendo (o que faço por talento e com amor). Mas essas andanças pela cidade acabam inspirando, sempre encontro algum fato curioso, tema para no mínimo uma boa conversa.

     Olhava as praças com seus bosques e gramados, casais se atracando nos bancos, os gramados com mendigos espalhados e os bosques envelhecidos e abandonados à própria sorte. Reparei no comércio, vendedores afobados querendo convencer os transeuntes a comprar de qualquer maneira, os ambulantes numa balbúrdia terrível disputando espaço e fregueses aos gritos... passei também por muitos templos religiosos, alguns imponentes, de belas arquiteturas, ostentando interiores de luxo e hipocrisia. Outros, menores e de arquitetura mais simples tentando enganar o Povo e o Leão. E tinham ainda aqueles com portinhas escuras com cadeiras de plástico para os fiéis que pagassem para sentar.

     O que tinham estes templos em comum? Apenas uma coisa, todos eles, sem exceção... pastores (atores do mal) a promoverem a idiotice e a histeria nos seguidores com muita gritaria, muito incenso (Incenso?) e uma bagunça infernal de bandas sem talento que ferem a arte e os ouvidos com terríveis plágios musicais. Enfim, depois de todo este tormento que sofrem, saem destes templos, os tolos com suas faces exaustas e alienadas, comentando que “A função foi gratificante... o Fulano tirou muitos demônios... teve até aquele caso que o Coisa Ruim saiu pelo ouvido da mulher... e o padre que salvou muitas almas e virou Santo... olha só! Até o mundo aqui fora ficou mais calmo e silencioso depois da pregação do evangelho de hoje” comenta alguém. Não preciso dizer que a tal pregação tinha sido feita aos berros...

     Lembrei-me de imediato, de uma piada que ouvi no tal boteco, dizia esta:

     “Um parente de uma pessoa ruim dos nervos, procura uma clínica de repouso (hospício), entra na sala do diretor da instituição e conversa com ele durante algum tempo, acertados todos os detalhes da internação do tal parente, o diretor e um enfermeiro com jeito de judoca são apresentados ao futuro paciente, que de vez em quando dava umas marteladas em sua própria cabeça, parava subitamente de martelar e sorria, sorriso de prazer. Intrigado com a atitude do paciente o enfermeiro indaga:

     - Amigo, por que você martela tantas vezes a sua cabeça, pára e ainda sorri?

     O sujeito responde:

     - Doutor, o senhor não sabe como é bom quando eu paro de martelar!”

     Era noite, peguei um táxi, voltei para a paz do meu lar, tomei um bom e demorado banho quentinho, preparei uma deliciosa sopa (daquelas de envelope) com torradas de alho e aproveitei o silêncio acolhedor de meu escritório. Lá fora a chuvarada desabou, sorrindo pensei “Que cantinho gostoso!”.


     Autor: Paulo Renato Lettiere Corrêa (Paulo Lettiere)

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