quinta-feira, 3 de setembro de 2020

O Condomínio

     O Condomínio


     Não faz muito tempo que Saulo, por questões profissionais, teve que se mudar para uma cidade um pouco distante da sua terra natal; embora esta mudança não estivesse em seus planos, tudo correu bem. Era uma cidade um pouco maior e mais moderna, mas Saulo sempre conseguiu enfrentar bem os desafios, até por este motivo fora escolhido por seu empregador para ocupar um cargo na nova cidade.

     Escolheu Saulo para sua residência na cidade, locar um apartamento em um condomínio fechado, que era composto por inúmeros e bem cuidados blocos, o apartamento indicado era muito simpático e bem conservado, então, muito animados, Saulo e suas duas filhas nele se instalaram, afinal foram bem recebidos pelas pessoas que moravam no condomínio, que estava localizado em um bairro bem estruturado e próximo ao centro da cidade e do serviço de Saulo (dava até para ir caminhando) e assim ele fazia nos dias bonitos e ensolarados, ia passeando e pensando na vida, pensando na vida e seguindo em frente (era uma prática adorável, para o corpo e a mente), usava as linhas de ônibus apenas nos dias chuvosos (que de um modo geral eram sempre dias também muito frios), não valia a pena se arriscar em caminhadas.

     Os dias foram passando, foram conhecendo os costumes do povo local, se incorporando à nova cidade, se adaptando aos recursos (e à falta destes) do lugar, enfim, viviam uma vida bem comum. Ocupavam um dos apartamentos do quinto andar do bloco A (todos os blocos tinham cinco andares e apenas quatro apartamentos por andar), embora nunca tivessem sido diretamente aborrecidos ou desrespeitados pelos moradores do condomínio ou mesmo do bloco, pois eram pessoas que se dispunham apenas aos cumprimentos formais do dia a dia (para Saulo e sua família estava ótimo, pois também não eram de ficar de muitos comentários e disse-me-disse com os outros), vale dizer que tinham por vizinhos umas pessoas bem diferentes... Como vizinhos de frente, três mulheres obesas, horríveis por sua falta de educação (eram a avó, uma filha e uma neta), um filho de uns trinta anos, excessivamente afetado (além de um tanto inchado) e um infeliz papagaio que urrava angustiado sem parar, fazendo papel de bichinho de estimação a esta família que não tinha hora para fazer sua paneladas que exalavam um cheiro desanimador (quase sempre era mocotó bovino com alguma coisa, ou então ensopado de peixe com apenas água e sal).

     As vizinhas ao lado, duas magricelas esquisitas, que fumavam sem parar, tinham por companhia (ou seria por prisioneiro) um cãozinho muito mal tratado, as duas sem trégua ficavam num frenético bater de portas, num interminável vai e vem a qualquer hora do dia ou da noite (pareciam querer mostrar que ainda estavam vivas). E ainda tinha o morador do outro apartamento, morava só, um sujeito, esquelético, alto e carrancudo. Careca, com seus olhos arregalados no meio de imensas olheiras enrugadas e roxas (era um tipo soturno), com mania de importante, que tinha por hábito durante as madrugadas chuvosas e geladas, sair de seu apartamento, perambular em meio aos carros no estacionamento do condomínio (era um estacionamento a céu aberto), ir cumprimentando um a um os carros estacionados ali, tentando enxugar os faróis dos automóveis e balbuciando “Não chorem, papai está aqui!”. Dizem que este sujeito numa noite de muito frio, ligou o forno do fogão e enfiou a sua cabeça dentro para aquecer (só não morreu porque o gás do botijão acabou logo em seguida, a faxineira do apartamento na manhã seguinte encontrou ele desmaiado com a cabeça ainda dentro do forno e o socorreu).

     Numa certa manhã, Saulo ia saindo para o trabalho, quando notou que vinha pela rua do condomínio (de imponente e nobre nome), um camarada equilibrando um imenso saco de lona em sua cabeça, era um vendedor ambulante que todos os dias oferecia pelas ruas do condomínio sua mercadoria (estranho, pois ficava o condomínio cercado por um variado comércio), o tal sujeito era fanho e aos berros, todos os dias na mesma hora lá vinha ele com sua voz anasalada e arrastada (mais parecia uma corneta velha) esforçando-se para gritar: “Impim, Vaigem, Nenhami e Bantatan!!!”

     Saulo não resistiu e perguntou ao ambulante:

     - Amigo por favor, me informe uma coisa. O que você vende aqui durante a semana?

     O sujeito parou, arriou a mercadoria na calçada e explicou: - Nos dias pares eu vendo: Impim, Vaigem, Nenhami e Bantatan.

     Saulo, indagou: - E nos dias ímpares?

     - Ahh, nos dias ímpares Doutor, eu vendo: Impim, Vaigem, Nenhami e Bantatan!

     Saulo, um pouco surpreso e um pouco irritado com as respostas, quase afirmando disse ao sujeito:

     - Já sei, nos sábados e domingos você vende as mesmas coisas!

     O vendedor respondeu: - Não, nos sábados e domingos eu descanso!

     Saulo, agradeceu a atenção do exótico vendedor que seguiu aos berros oferecendo suas mercadorias... Nosso amigo Saulo seguiu rumo ao seu trabalho, caminhando e pensando, pensando e caminhando, caminhando e...


     Autor: Paulo Renato Lettiere Corrêa (Paulo Lettiere)

Nenhum comentário:

Postar um comentário