quinta-feira, 3 de setembro de 2020

O Apelo

     O Apelo


     A vida de um grupo de amigos nunca mais foi a mesma após aquela ligação telefônica, feita numa noite de inverno para a casa de um deles. Em um tom de imensa tristeza e pesar, alguém falou do outro lado da linha, que mais um do grupo de amigos havia falecido, suicidara-se, jogando deliberadamente o veículo que conduzia da alta ponte que atravessava uma baía, unindo duas cidades, o veículo sumiu no mar, levando junto o amigo Luís.

     Lélis, que recebera a ligação, lamentando, falou à Augusto: - É amigo, mais uma fatalidade atinge nosso grupo, éramos oito, agora restam o Pablo, você e eu. Todos os outros tiveram um fim estranhamente trágico. O Luís se suicidou, Antônio ficou louco e morreu imitando o diálogo de um piloto de avião com a torre de controle, o Anderson morreu num incêndio inexplicável em sua casa de campo, os nossos amigos Waldir e Alex, nem acredito, apontaram as carabinas um para o outro e atiraram, mais duas mortes. É amigo, não sei quando nem como tais fatalidades irão parar.

     Então, abalados por tais pensamentos, resolveram os três amigos se reunir para refletir sobre os acontecimentos. Voltando suas lembranças a uns 15 anos atrás, passado cheio de alegrias e sustos inesquecíveis, já que o grupo de amigos adorava acampamentos, passeios e caçadas.

     "Por ocasião de uma incursão na mata, em busca de uma boa aventura, se viram no alto de uma montanha, na mata fechada, o frio começava a incomodar, pois suas roupas já estavam encharcadas pela chuva que caía. Olhando em volta viram uma casa bem construída em pedra que tinha à sua frente um imenso e profundo desfiladeiro que parecia não ter fim. Aproximaram-se, estava abandonada, forçaram e entraram por uma porta lateral, apesar de sua aparência deteriorada pelo tempo, servia para fugirem da tempestade (que subitamente açoitava ferozmente a mata escura e fria), colocaram roupas secas em seus corpos tiritantes de frio, as roupas molhadas ficaram junto a uma lareira improvisada que crepitava alegremente.

     Abriram sofregamente, famintos, suas latas de feijoada (caçadores modernos tem dessas coisas), enquanto matavam a fome, cada um contava uma vantagem ou mentira maior do que a do outro (que afirmavam calorosamente ser verdade), enfim, saciados em sua fome e vaidade, arrumaram suas tralhas e adormeceram pesadamente. Foram acordados em plena madrugada por um tremendo estrondo, imaginaram ser algum raio, abriram uma das janelas e foram surpreendidos por um céu azul turquesa, uma imensa lua branca e uma linda mata verde vivo.

     Estranhamente não chovia mais, até o sereno (tão comum naquela região) não estava ali, atemorizados e ainda mais surpresos ficaram quando olharam um para o outro e perceberam que estavam todos cobertos por uma fuligem negra, pegajosa, como se fossem corpos carbonizados, espantados foram se banhar num pequenino córrego bem próximo à tal casa, porém, foram surpreendidos antes de chegarem ao tal córrego por um grupo de pessoas estranhas, bem trajadas, que com um tom suplicante, porém tranqüilizador, falaram aos nossos amigos aventureiros:

     - Irmãos, não se assustem, só queremos sua ajuda!

     Alguém do grupo de jovens caçadores indagou:

     - Quem são vocês? O que querem?

     Os estranhos responderam:

     - Somos passageiros do vôo 674 (aeronave de nossa propriedade), estamos querendo ir para casa, mas não estamos encontrando a rota certa.

     Os oito componentes sentiram um grande calafrio (Que raio de conversa maluca era aquela, sem sentido?). Então, outro alguém do grupo de caçadores destemidamente perguntou:

     - Como podemos indicar a vocês uma rota, se nem ao menos sabemos aonde vocês querem ir?

     Aquele que parecia ser o comandante do exótico grupo falou com uma voz de sepulcral rouquidão:

     - Apenas nos perdoem pelo mal que não pudemos evitar.

     Foi quando uma parte do grupo de aventureiros, com exceção de Pablo, Augusto e Lélis (que por covardia, para não contrariar os amigos ou por pura omissão, permaneceram calados), irritada resolveu pôr um fim em toda aquela loucura. Aos gritos, os rapazes se dirigiram aos estranhos, dizendo:

     - Chega, vocês são loucos, ridículos, desocupados, vão embora daqui, antes que a gente os bote para correr, e tem mais, nós cinco somos pessoas valentes e não perdoamos vocês não! Vão para o inferno!!!

     A chuva voltou a cair, o frio ficou insuportável, o grupo de estranhos sumiu no denso nevoeiro que se formou e um silêncio acompanhado de sobrenatural vazio, tomou conta da alma de cada um do grupo de amigos.

     Amanheceu, aparentemente livres de qualquer traço da tal fuligem que os cobria horas atrás, ninguém estava disposto a comentar o ocorrido, preferiam acreditar na versão de que um bando de desocupados havia pretendido assustá-los, durante um desses singulares fenômenos que acontecem na natureza e que ocorrem em tantos outros lugares vez por outra. Então deixaram a floresta.

     Enquanto aguardavam na cidadezinha decadente ao pé da tal montanha, num ponto de ônibus que os residentes insistiam em chamar de rodoviária viram uma salinha empoeirada com uma plaquinha (Biblioteca), entraram no lugar abandonado, apenas uns poucos livros velhos jogados numa mesa e recortes de jornais amarelados espalhados pelo chão, foi então que uma reportagem local de um desses jornais chamou a atenção deles, onde se lia a história de um tal vôo 674, com um grupo de empresários de um outro país, que numa madrugada de muito sereno saiu da rota e atingiu em cheio o topo da montanha, caiu sobre uma casa de pedras, abandonada, explodindo e matando no local toda a tripulação e seus passageiros.

     Embarcaram e partiram, sem ter ânimo para qualquer comentário, nunca contaram isto a ninguém, pois tinham fama de caçadores mentirosos."

     Os três amigos vivos, ao relembrarem juntos tais fatos impressionantes, sentiram um enorme remorso pelos amigos falecidos, achando que o amor e a generosidade, poderiam sim, terem sido as fontes da vida. Resolveram fazer uma viagem de carro, para tentar esquecer os últimos e tristes acontecimentos e assim foram. Dias depois, em algum km de uma solitária rodovia, um rádio de viatura da Polícia Rodoviária, relatava à Central:

     - Veículo, da marca Land Rover, nesta madrugada (13.08.2006), perde a rota, atravessa as pistas, colide violentamente contra um muro de pedras e explode, morrendo carbonizados os seus três ocupantes, em mais um acidente aparentemente inexplicável.

     O frio e o sereno iam engolindo o cenário do acidente, enquanto o Patrulheiro (Com uma voz rouca, quase sepulcral) encerrava o seu boletim, dizendo:

     - Câmbio e desligo.


     Autor: Paulo Renato Lettiere Corrêa (Paulo Lettiere)

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